segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A minha versão do Outono



O Outono é sempre um bom motivo para regressarmos em grande com mais receitas, mais crónicas, mais fotografias, mais miminhos para os nossos foodies! Coloco a mão ao peito e estou pronta para imortalizar as palavras, sem pressas, sem pressões.

Admito. Tenho um carinho especial pelo Outono. O Verão mexe comigo, mas o Outono faz-me balançar. A culpa é sempre a mesma e há-de morrer solteira - a comida. Todas as épocas do ano têm uma relevância especial e não dá para considerar uma menos que a outra. A mudança é uma constante e aprendemos a lidar com isso desde sempre, bem ou mal. Normalmente, lido bem com isto. É uma questão de nos sabermos adaptar às ocasiões, assim como o fazemos com as nossas vidas. Vivemos alterações em todos os sentidos durante a nossa estadia na terra. Ora é o amor, ora é a nossa situação profissional, ora são questões familiares, ora porque embirramos e teimamos que algo está errado quando está certo e só tendemos a complicar. Todas estas mudanças, até as de humor, provocam estados de espíritos diferentes. Assim acontece com a vinda de uma nova estação. É um novo estado de espírito que incorporamos. Como diria Nietzsche, Repara que o outono é mais estação da alma do que da natureza. Permitimo-nos viver com aquilo que a natureza nos quer dar a dada altura. Respeitamos o ciclo. É como se antes de termos nascido tivéssemos assinado um acordo com a Natureza, pois aquilo que ela tem para nos oferecer nem sempre vai de encontro às hipotéticas reais necessidades da nossa alma, pensamos nós. No entanto, só nos cabe uma coisa: vivermos ao máximo. Até arrisco dizer que todas as estações são estações de almas, de estados de espíritos diferentes. Se ainda há dúvidas das opções que fizemos, nada que uma dúzia de castanhas assadas e um café quente não resolvam. Se gostarmos menos desta estação, ao menos que se tire proveito à mesa. É sempre uma boa forma de encarar o que tem de ser.

Sempre tive uma óptima relação com os frutos. O meu pai tinha uma frutaria e passava a vida lá a provar as novidades. Cá em casa a máxima, casa de ferreiro, espeto de pau nunca se aplicou. Os meus pais sempre nos incutiram esta regra de haver sempre fruta em casa e de ser quase sempre a nossa sobremesa. Quando era pequena gostava desta altura do ano porque coloríamos os desenhos alusivos ao Outono, fazíamos trabalhos manuais com as folhas secas que recolhíamos no parque e sabia que mais dia menos dia teria de preparar o saco do pão-por-Deus. O meu saco era branquinho e tinha figos, castanhas, maçãs e pêras de cores diferentes bordadas à mão. Nele cabia todas as delícias que eu quisesse. No dia anterior ao um de Novembro levávamos os sacos para a escola, fazíamos trocas, batíamos à porta das salas e pedíamos guloseimas, uma espécie de Halloween dos nossos tempos. No recreio sentava-me nas escadas a contabilizar o que tinha angariado. Assavam-se castanhas e cantávamos  No final do dia chegava a casa e exibia a minha colheita, depois sentava-me à mesa e era feliz entre os doces caseiros, entre eles o de uva da tia Rosário, as marmeladas, o café com leite e as torradas. No centro da mesa ficava o cesto da fruta onde repousavam as pêras maduras, as maçãs rosadas, os figos ainda verdes, as nozes, as romãs, os kiwi's e os dióspiros que todos juntos emanavam o cheiro a Novembro, sinal de que os dias estavam a encurtar e ficar mais frios. O mais importante, sinal de que já faltava pouco para o Natal, a recta final do ano e a minha época preferida.

Todas as épocas vivem ciclos que se iniciam e que se fecham, se possível sempre com chave de ouro. Eu continuo a achar que o melhor de cada altura do ano, de cada mês, de cada dia é podermos dar umas boas garfadas à mesa. Se pudesse personificar a comida, diria que seria uma mulher. Vistosa, apetecível, companheira para todas as horas, não seria apologista das palavras, mas revelar-se-ia perita em adoçar-nos as palavras antes de serem ditas e em saciar-nos as vontades. Uma mulher que teria todo o gosto em rever o Outono, o homem de quem se fala no momento. Tive saudades suas, as castanhas estão boas e o tempo está perfeito, aliás, como sempre por esta altura.

Mafalda Ramos

Fotografia: Cátia Matias

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